quinta-feira, 18 de outubro de 2012

"Mãe, onde vamos morar agora?"

Grafite feito ao lado do Morro do Bumba

Assim como o anterior, este é um post sobre uma viagem, duras memórias e sérias reflexões. No último, uma reportagem na Revista Piauí me motivou a escrever. Neste, o programa A Liga despertou minhas lembranças e me impulsionou de volta ao blog. O semanário da TV Band abordou a temática dos moradores de áreas de risco. Entre as localidades escolhidas para mostrarem a realidade dos cidadãos estava o Morro do Bumba, em Niterói, região que sofreu um grande deslizamento de terra em 2010 e que visitei em 2011 para a realização da minha monografia.

Meu trabalho era descobrir como se dava a recepção de notícias climáticas por moradoras de áreas de risco. A maioria das pessoas me aconselharam a desistir, que achasse algo mais fácil de pesquisar ou entrevistasse pessoas na minha cidade (Goiânia). Mas quem me conhece sabe que sou determinado. Era um desafio que me motivava, uma oportunidade de viver uma experiência única, embora soubesse que não seria nada fácil. E não foi. Na realidade, enfrentei obstáculos bem maiores que os previstos.

Estava prestes a adentrar em uma realidade completamente diferente e distante da minha. Minha meta era conseguir conversar com o máximo de mulheres possível, para poder desenvolver minha pesquisa. Ainda no albergue no qual estava hospedado, pegando informações sobre a região, o primeiro choque de realidade. Perguntei como chegar ao Morro do Bumba e, com estranhamento, me responderam: "ué, mais o morro não existe mais". É uma coisa que eu nunca tinha parado para pensar: é uma área irregular, de risco, um morro; quando há um deslizamento de terra, o morro acaba, a terra simplesmente não volta ao seu lugar. Poucas casas restaram após o deslizamento de terra que vitimou mais de 200 pessoas.

Morro do Bumba atualmente

Quando cheguei no local, não conseguia acreditar que ali moravam dezenas de família e que praticamente nada sobrou. Mesmo sem resgatar todos os corpos do local, a prefeitura de Niterói foi até o local, fez pequenas obras de saneamento básico, cobriu a base com cimento e transformou em uma praça de recreação, com mesas para jogos, piquenique e duas quadras. Muitos moradores são contra essa obra. "Não resgataram todos os corpos, tem gente lá embaixo ainda, aí o pessoal vem e monta uma praça por cima, acha que fez um grande favor, passa o concreto por cima da história e acha que nada aconteceu?", me relatou uma das moradoras da região.

Nas pessoas com quem conversei, encontrei uma tristeza muito grande e um senso de comunidade, de auxílio, maior ainda. Porém, o que mais me chamou a atenção foi o desanimo dos meus interlocutores. Desamino com o poder público, indo desde a associação de moradores que é apenas uma fachada, até o prefeito e governador, que nada fizeram para impedir tal situação. Existe uma lógica meio complexa nisso tudo e que eu fui traçando ao longo dos relatos que escutava.

Acompanhem comigo: se o poder público realmente investisse na construção de casas populares e programas sociais correlacionados, evitaria que pessoas fossem morar em regiões impróprias, tal como o Bumba, antigo lixão e em área de de risco. Sem condições de morar em um lugar melhor, famílias constroem suas casa em locais irregulares que podem desabar com as chuvas. A área é irregular, mas como todos querem sua fatia no capitalismo, as empresas de luz, telefonia fixa e móvel, entre outras, vão lá, vendem seus serviços sob a vista grossa do poder público, que interessado em sua fatia, cobra os impostos das áreas vizinhas, compradas legalmente, mas deixa o esgoto correr a céu aberto entre as casas. Complicado entender isso né? "Não é para morar aqui, mas já que você tá morando, vou te dar condições pra você ficar morando aqui mesmo, bem longe do centro. Toma energia, para ter sua geladeira e sua televisão, toma sinal de celular para gastar seus bônus com quem você quiser e continuamos fingindo que está tudo bem." Deve ser essa a lógica.
Como disse outra de minhas fontes, "pobre não mora onde quer, mora onde dá". A pessoa está morando ali, em uma área inclinada, sem a menor estrutura de saneamento básico, não é porque ela quer, porque não trabalha, ou porque se acha mais esperta e prefere simplesmente tomar posse do lugar. A minha maior dificuldade era encontrar asa pessoas em casa, pois todas estavam trabalhando. Não são desocupados que vivem do auxilio de bolsas do governo, como muitos pensam.

Resultado do descaso e da vista grossa: chuva forte e moradias frágeis, construídas sob um antigo lixão, causam uma tragédia. Poder público lamenta, desengaveta um discurso pronto e diz que está fazendo o possível para evitar tais incidentes e que tomará medidas para que isso não ocorra novamente.

Os sobreviventes são levados para alojamentos provisórios. Prefeitura dá declarações, afirmando que construirá casas populares para essas famílias. Oferecem um aluguel social de R$400,00. Pera aí: alguém me diz onde é possível alugar uma casa por esse valor no Rio de Janeiro? Como as pessoas que perderam o pouco que tinham podem recomeçar suas vidas com uma ajuda de R$400,00? E por que três anos após o deslizamento que vitimou dezenas de famílias, os sobreviventes continuam esquecidos nos mesmos abrigos "provisórios". Por que após a tragédia no Bumba, novos deslizamentos de terra continuaram vitimando dezenas e mais dezenas de cidadãos todos os anos? Por que o poder público não responde a essas perguntas? É mais barato deixá-los esquecidos e ficar resgatando corpos ano após ano do que fazer uma política pública de prevenção?

Assim como as pessoas com quem conversei na região do Bumba, todos nós vamos ficando cada vez mais anestesiados e descrentes com a realidade, vendo, dia após dia, a política ser feita apenas para os privilegiados, que possuem dinheiro e influência. É muito cômodo olhar apenas para o centro, afastar cada vez mais as misérias da cidade, dar uma disfarçada e achar que o mundo é lindo, tá tudo bem, seguimos caminhando e cantando e seguindo a canção.

Não, não é assim. Precisa-se mudar muita coisa. Todos sabemos que não é fácil. Não é barato. Teria que se mexer no interesse de muitos poderosos. Mas precisa ser feito. Nada de pensamento comunista ou revolucionário. Apenas uma questão de dignidade. 

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