Eu sempre fui muito observador, curioso sobre tudo que
acontece a minha volta. Nas últimas semanas, vivendo longe de casa, me tornei ainda mais atento. Uma maneira de me localizar e me ambientar mais rápido; de
compreender como funciona a cidade, as pessoas que nela vivem e a cultura
dominante.
Voltando do almoço há alguns dias, cruzei com um morador de rua que
caminhava com os olhos fixos em um livro. A obra, capa laranjada, muito bem
conservada, com páginas brancas sem um único amassado, contrastava com o seu
leitor, de chinelo desgastado e roupas sujas. Sua atenção com as letras era
tamanha que não notou que eu o observava.
Há algumas semanas, vi um morador de rua dormindo em uma calçada
em pleno centro movimentado. Pelo menos uma centena de pessoas passava por essa
calçada por minuto. Seis horas da tarde e uma temperatura de 15°C acompanhada de
uma leve garoa, tendo apenas o chão duro, sujo e úmido como local de repouso.
Centenas passavam pelo local, mas simplesmente não enxergavam essa pessoa.
Sequer olhavam rapidamente, mesmo que para atentar por onde pisavam e desviar
daquele que dormia sob a marquise.
Em 2008, viajei com um grupo de amigos para o Rio de Janeiro
para um congresso de comunicação. Em um passeio noturno pelo bairro da Lapa,
centro da boemia carioca, paramos para comprar cerveja e um morador de rua se
aproximou do nosso grupo e começou a dar cantadas nas gurias que estavam
conosco. Resolvemos ver até onde iria aquela situação. Em um determinado
momento, aquele senhor viu que um dos meus amigos usava uma camiseta
dos Beatles e começou a declamar, de maneira meio desafinada, tropeçando em
alguns versos, a música Forever Young. Não preciso dizer o quanto isso
surpreendeu a todos. Não é algo usual encontrar um morador de rua que conheça
os garotos de Liverpool.
Essas situações inusitadas sempre me fazem refletir sobre a
invisibilidade social. Todos esses moradores de rua existem. Possuem uma
história. Há uma razão por estarem ali. Simplesmente desviar o olhar ao passar
por eles não vai fazer com que desapareçam ou que o problema social seja
resolvido. Porém, não temos a capacidade de, individualmente, mudar toda a
realidade. Porém, não ignorá-los, de tal forma que voltem a existir no cenário
social, que sejam percebidos, pode ser o início de uma transformação. Não
precisamos viver em um mundo perfeito. Um mundo um pouco melhor já basta.
Uma coisa que se torna mais nítida para mim a cada dia é que
não devemos esperar do Estado a solução de todos os problemas. Ele tem sim suas
responsabilidades, mas se podemos fazer algo para melhorar a realidade próxima
a nós, por que não fazer? Participar ou ajudar ONGs e projetos sociais é algo
tão distante de sua concepção? O discurso “eu já pago muitos impostos, então
não preciso me engajar, o Estado que resolva” está sempre na ponta da sua
língua? O engajamento social não é pior coisa do mundo, tampouco humilhante,
acredite. Também não é feito para ganhar títulos, honrarias e elogios
excessivos. É fazê-lo pelo fato de ser o certo.
Isso ajudará no
desenvolvimento social. Se você é do tipo mais individualista, pense da
seguinte maneira: se você se engajar, buscar atuar de maneira mais efetiva na
sociedade, de alguma forma estará proporcionando uma melhoria, por menor que
seja, o que será revertido também na melhoria de sua realidade social. A partir do momento que as pessoas perceberem que a mudança da realidade que elas tanto criticam partem dela, não dos outro, que não devem apenas ficar aguardando as soluções virem do céu, nossa sociedade conseguirá, por fim, melhorar sensivelmente.
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