segunda-feira, 8 de abril de 2013

As histórias que ninguém vê

Quando não estamos em um lugar familiar, seja na primeira visita na casa de algum amigo ou quando se está em outra cidade, nos tornamos muito mais observadores. Em ambientes já conhecidos, nosso olhar torna-se adormecido, não reparando pequenos detalhes ou mudanças. Em lugares ainda não explorados por nossa visão, nos atentamos a cada pequeno detalhe para compreender o espaço e o que se passa dentro dele.
Eu sempre fui muito observador, curioso sobre tudo que acontece a minha volta. Nas últimas semanas, vivendo longe de casa, me tornei ainda mais atento. Uma maneira de me localizar e me ambientar mais rápido; de compreender como funciona a cidade, as pessoas que nela vivem e a cultura dominante.

Voltando do almoço há alguns dias, cruzei com um morador de rua que caminhava com os olhos fixos em um livro. A obra, capa laranjada, muito bem conservada, com páginas brancas sem um único amassado, contrastava com o seu leitor, de chinelo desgastado e roupas sujas. Sua atenção com as letras era tamanha que não notou que eu o observava.

Há algumas semanas, vi um morador de rua dormindo em uma calçada em pleno centro movimentado. Pelo menos uma centena de pessoas passava por essa calçada por minuto. Seis horas da tarde e uma temperatura de 15°C acompanhada de uma leve garoa, tendo apenas o chão duro, sujo e úmido como local de repouso. Centenas passavam pelo local, mas simplesmente não enxergavam essa pessoa. Sequer olhavam rapidamente, mesmo que para atentar por onde pisavam e desviar daquele que dormia sob a marquise.

Em 2008, viajei com um grupo de amigos para o Rio de Janeiro para um congresso de comunicação. Em um passeio noturno pelo bairro da Lapa, centro da boemia carioca, paramos para comprar cerveja e um morador de rua se aproximou do nosso grupo e começou a dar cantadas nas gurias que estavam conosco. Resolvemos ver até onde iria aquela situação. Em um determinado momento, aquele senhor viu que um dos meus amigos usava uma camiseta dos Beatles e começou a declamar, de maneira meio desafinada, tropeçando em alguns versos, a música Forever Young. Não preciso dizer o quanto isso surpreendeu a todos. Não é algo usual encontrar um morador de rua que conheça os garotos de Liverpool.

Essas situações inusitadas sempre me fazem refletir sobre a invisibilidade social. Todos esses moradores de rua existem. Possuem uma história. Há uma razão por estarem ali. Simplesmente desviar o olhar ao passar por eles não vai fazer com que desapareçam ou que o problema social seja resolvido. Porém, não temos a capacidade de, individualmente, mudar toda a realidade. Porém, não ignorá-los, de tal forma que voltem a existir no cenário social, que sejam percebidos, pode ser o início de uma transformação. Não precisamos viver em um mundo perfeito. Um mundo um pouco melhor já basta.

Uma coisa que se torna mais nítida para mim a cada dia é que não devemos esperar do Estado a solução de todos os problemas. Ele tem sim suas responsabilidades, mas se podemos fazer algo para melhorar a realidade próxima a nós, por que não fazer? Participar ou ajudar ONGs e projetos sociais é algo tão distante de sua concepção? O discurso “eu já pago muitos impostos, então não preciso me engajar, o Estado que resolva” está sempre na ponta da sua língua? O engajamento social não é pior coisa do mundo, tampouco humilhante, acredite. Também não é feito para ganhar títulos, honrarias e elogios excessivos. É fazê-lo pelo fato de ser o certo.

Isso ajudará no desenvolvimento social. Se você é do tipo mais individualista, pense da seguinte maneira: se você se engajar, buscar atuar de maneira mais efetiva na sociedade, de alguma forma estará proporcionando uma melhoria, por menor que seja, o que será revertido também na melhoria de sua realidade social. A partir do momento que as pessoas perceberem que a mudança da realidade que elas tanto  criticam partem dela, não dos outro, que não devem apenas ficar aguardando as soluções virem do céu, nossa sociedade conseguirá, por fim, melhorar sensivelmente.

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